Em 1975, um jovem diretor chamado Steven Spielberg transformou o medo do mar em um fenômeno cultural. Meio século depois, Tubarão (Jaws) continua a ser lembrado não apenas como um dos maiores filmes de suspense da história, mas também como o marco que redefiniu a forma como Hollywood lança, promove e consome seus grandes sucessos. Ao completar 50 anos, o clássico segue vivo nas telas, nos debates e na memória coletiva — símbolo de uma era em que o cinema aprendeu a unir arte, tensão e marketing como nunca antes.
Do livro à tela: o nascimento de uma lenda
A história começou antes mesmo das câmeras. Em 1974, o escritor Peter Benchley lançou o romance Jaws, inspirado em ataques reais de tubarões registrados na costa de Nova Jersey em 1916. O livro rapidamente se tornou um best-seller mundial, alcançando o topo das listas de mais vendidos e atraindo a atenção dos estúdios de Hollywood. Os produtores Richard Zanuck e David Brown, ao lerem o manuscrito em uma tarde, viram ali uma oportunidade única. Poucos meses depois, adquiriram os direitos e convidaram um jovem talento da Universal Pictures — Spielberg, então com apenas 26 anos — para dirigir a adaptação.
O sucesso literário foi tão grande que, antes mesmo da estreia do filme, Tubarão já era um fenômeno de vendas, rendendo milhões em royalties a Benchley e garantindo um público ansioso para ver o terror ganhar forma no cinema. No entanto, o que viria a seguir estava muito além das expectativas.
Um mar de desafios: o inferno das filmagens
Spielberg, ainda em início de carreira, não imaginava o tamanho da tempestade que enfrentaria. As filmagens, realizadas na ilha de Martha’s Vineyard, foram marcadas por problemas técnicos, orçamentos estourados e atrasos constantes. O maior inimigo? O próprio tubarão mecânico — apelidado de Bruce — que raramente funcionava como o planejado.
A criatura, construída com tecnologia de ponta para a época, quebrava com frequência por causa da água salgada. Diante disso, Spielberg teve de improvisar. Em vez de mostrar o tubarão o tempo todo, ele decidiu sugerir sua presença, usando enquadramentos, câmeras submersas e, claro, a trilha sonora icônica de John Williams para criar tensão. O resultado acabou se tornando um dos maiores acertos da história do cinema: o que era uma limitação técnica virou uma lição de narrativa. O medo do que não se vê tornou-se ainda mais poderoso do que o monstro em si.
O primeiro blockbuster da história
Quando Tubarão finalmente estreou, em 20 de junho de 1975, o estúdio Universal apostou em uma estratégia inédita. Ao contrário da prática comum da época — que era lançar os filmes gradualmente, cidade por cidade —, a distribuidora decidiu lançar o filme simultaneamente em centenas de salas durante o verão americano. Além disso, investiu uma quantia inédita em campanhas de marketing televisivo, algo incomum na década de 1970.
A aposta deu certo. O público lotou as salas de cinema, e o boca a boca transformou o filme em um fenômeno imediato. Em poucas semanas, Tubarão bateu todos os recordes de bilheteria e se tornou o maior sucesso comercial da história até então, título que manteria até a chegada de Star Wars, dois anos depois. Nascia ali o conceito de “blockbuster de verão”, modelo que Hollywood adotaria como fórmula até hoje.
Mais do que um sucesso financeiro, o filme redefiniu a relação entre cinema e público. Pela primeira vez, os estúdios perceberam o potencial de unir marketing massivo, estreias amplas e produtos licenciados. O medo do tubarão se espalhou pelo mundo — e, com ele, uma nova forma de vender cinema.
Impacto cultural
O sucesso de Tubarão foi tão profundo que alterou não apenas o mercado, mas também a cultura popular. O tema musical composto por John Williams, com suas duas notas repetitivas, tornou-se sinônimo universal de perigo iminente. A frase “You’re gonna need a bigger boat” (“Vamos precisar de um barco maior”) entrou para o vocabulário popular. E, claro, o medo irracional de entrar no mar cresceu exponencialmente em todo o planeta.
Além disso, o filme transformou Spielberg em um dos diretores mais influentes da história. Seu talento em equilibrar suspense, emoção e espetáculo visual consolidou um novo padrão para o cinema comercial. Muitos estudiosos apontam Tubarão como o divisor de águas entre o “velho Hollywood”, dominado por dramas de autor, e o “novo Hollywood”, voltado para o entretenimento em larga escala.
Do medo à mitologia: o poder do invisível
O que torna Tubarão tão duradouro é, talvez, sua simplicidade. Spielberg conseguiu transformar um enredo relativamente direto — um predador ameaçando uma comunidade costeira — em uma metáfora sobre o medo coletivo, a impotência humana e a luta pela sobrevivência. A ausência constante do tubarão na tela cria uma atmosfera de suspense que poucos filmes conseguiram igualar.
Curiosamente, o próprio Peter Benchley, autor do livro, mais tarde se arrependeria do impacto negativo que sua obra teve na imagem dos tubarões, tornando-os vilões da natureza. Ele passou os últimos anos de vida dedicado à preservação marinha, tentando reparar essa percepção equivocada. Ainda assim, o legado do filme permanece intocado: Tubarão não é apenas um filme sobre um animal assassino, mas uma parábola sobre o medo invisível — aquele que vem das profundezas, dentro e fora de nós.
Os “filhotes” de Tubarão: quando o cinema tentou repetir o medo que Spielberg criou
Quando Tubarão chegou aos cinemas em 1975, Steven Spielberg não apenas reinventou o suspense, mas também criou um subgênero inteiro: o dos filmes de tubarão assassino. O impacto foi tão grande que, nas décadas seguintes, Hollywood e o cinema mundial tentaram, repetidas vezes, capturar o mesmo terror que surgiu das profundezas de Amity Island. Alguns chegaram perto, outros ficaram à deriva, mas todos devem sua existência ao clássico que deu origem ao medo moderno do mar.
O minimalismo de “Mar Aberto”
Entre os sucessores mais marcantes está Mar Aberto (Open Water, 2003), de Chris Kentis. Diferente dos blockbusters repletos de efeitos visuais, o filme apostou em realismo e simplicidade. Inspirado em uma história real, acompanha um casal deixado para trás em alto-mar durante um mergulho. Sem trilha sonora grandiosa, sem tubarão mecânico — apenas o desespero humano diante do oceano. Essa escolha fez o público reviver o medo primal que Spielberg havia despertado décadas antes, mas sob uma ótica mais intimista e angustiante.
A tensão refinada de “Águas Rasas”
Já Águas Rasas (The Shallows, 2016) trouxe de volta o suspense de forma elegante e moderna. Dirigido por Jaume Collet-Serra e estrelado por Blake Lively, o longa equilibra ação, beleza visual e tensão psicológica. A luta solitária de uma surfista contra um grande tubarão branco próximo à costa combina estilo e simplicidade, lembrando que o verdadeiro terror está em sentir-se vulnerável diante da natureza.
A ficção científica de “Do Fundo do Mar”
Nos anos 1990, Do Fundo do Mar (Deep Blue Sea, 1999) apostou em um caminho diferente: a ficção científica. Dirigido por Renny Harlin, o filme apresentou tubarões geneticamente modificados em um laboratório subaquático, misturando ação e horror. Mesmo mais exagerado, o longa conquistou uma legião de fãs e se tornou um cult moderno, lembrado por suas cenas absurdas e ritmo frenético.
O fôlego de “Medo Profundo”
Por fim, Medo Profundo (47 Meters Down, 2017) trouxe o pavor claustrofóbico de duas irmãs presas em uma gaiola a 47 metros de profundidade. O filme resgatou o suspense psicológico e a tensão contínua, provando que o medo ainda podia ser reinventado, mesmo após quatro décadas.
Cinquenta anos depois de Tubarão, o cinema continua tentando repetir a fórmula — e, embora nenhum desses “filhotes” tenha alcançado o impacto do original, todos mostram que o terror das águas profundas permanece irresistível. Afinal, basta um som, uma sombra e o medo volta a nadar entre nós.
Um clássico eterno
Cinquenta anos depois, Tubarão segue sendo estudado em escolas de cinema e exibido em retrospectivas pelo mundo todo. Sua narrativa enxuta, a construção do suspense e o impacto cultural continuam inspirando diretores, roteiristas e cinéfilos de todas as gerações. Em tempos de efeitos visuais ultrarrealistas e orçamentos bilionários, é curioso lembrar que o maior medo do público surgiu de um tubarão que quase nunca funcionava.
Mais do que uma celebração de meio século, o aniversário de Tubarão é um lembrete do poder que o cinema tem de transformar o medo em fascínio. Spielberg, com apenas 26 anos, criou não só um clássico, mas um novo modo de fazer — e vender — cinema. E é por isso que, meio século depois, a simples melodia composta por John Williams ainda é suficiente para arrepiar quem ouve. Porque o mar nunca mais foi o mesmo.



