Quando Tubarão estreou há exatos 45 anos, Steven Spielberg não apenas criou um marco do suspense moderno, mas também abriu as comportas para um novo subgênero cinematográfico: o dos filmes de tubarão assassino. O longa redefiniu o medo, inaugurou o conceito de blockbuster e provou que o público adorava sentir pavor do que não via. Mas, como toda boa ideia em Hollywood, o conceito logo foi levado ao extremo. O que começou como arte virou paródia, e o terror das águas profundas acabou se transformando, aos poucos, em um show de exageros e efeitos precários.
O tubarão de baixo orçamento: quando o medo ficou barato
Com o passar das décadas, produzir um filme sobre tubarões tornou-se um atalho para o sucesso — ou para o ridículo. Graças à popularização das câmeras digitais e dos efeitos visuais acessíveis, pequenos estúdios começaram a investir em produções de baixíssimo custo, movidos pela ideia de que bastava um bom título e algumas mordidas falsas para garantir audiência. O CGI barato e o roteiro improvável viraram parte do encanto dessas obras.
Foi nesse contexto que surgiram pérolas como 2-Headed Shark Attack (2012), estrelado por Carmen Electra, em que o monstro possui duas cabeças famintas e uma habilidade incrível de morder qualquer coisa que se mova. O “sucesso” levou a continuações ainda mais absurdas: 3-Headed Shark Attack (2015) e 5-Headed Shark Attack (2017). Não satisfeitos, os roteiristas foram além, criando aberrações como Ghost Shark (um tubarão fantasma que ataca fora da água), Sand Sharks (que caça pessoas na areia) e Sharktopus (metade tubarão, metade polvo, 100% insanidade).
Esses filmes provaram que, com imaginação — e um computador com efeitos de 1998 —, qualquer pessoa podia criar o próprio predador dos mares. O medo sofisticado de Spielberg deu lugar a um espetáculo de exageros, mas, paradoxalmente, o público continuou se divertindo.
O fenômeno bizarro de “Sharknado”
Se existe um símbolo definitivo dessa era de tubarões cômicos, ele atende pelo nome de Sharknado. Lançado em 2013 pela produtora The Asylum — especializada em paródias e filmes de baixo orçamento —, o longa partia de uma ideia tão absurda que parecia impossível de levar adiante: um tornado repleto de tubarões devorando Los Angeles. E, surpreendentemente, deu certo.
Com efeitos risíveis, atuações caricatas e um roteiro impossível de levar a sério, Sharknado conquistou o público pela via do humor involuntário. A produção virou um fenômeno televisivo e um sucesso nas redes sociais, rendendo seis continuações e transformando o caos em franquia. Cada novo capítulo trazia desafios ainda mais bizarros: tubarões espaciais, viagens no tempo e até uma sequência em que os personagens enfrentam dinossauros.
O segredo do sucesso estava na autoconsciência. Sharknado nunca tentou ser um filme sério. Ele ria de si mesmo, zombava da própria falta de lógica e apostava no exagero como linguagem. Foi aí que o gênero encontrou um novo público: não o do medo, mas o da diversão despretensiosa.
“Mega Shark vs. Giant Octopus”: o embate do impossível
Antes do fenômeno Sharknado, a própria Asylum já testava o terreno do absurdo com Mega Shark vs. Giant Octopus (2009). A trama, protagonizada por Deborah Gibson e Lorenzo Lamas, apresenta dois monstros pré-históricos que despertam do gelo e iniciam uma batalha que desafia as leis da física.
O longa é lembrado principalmente por uma cena que virou meme mundial: o momento em que o tubarão salta e morde um avião em pleno voo. O público reagiu entre risadas e incredulidade, mas o estúdio percebeu que havia encontrado um filão rentável. Seguiram-se outros confrontos igualmente surreais — Mega Shark vs. Crocosaurus, Sharktopus vs. Pteracuda e até Atomic Shark —, consolidando o tubarão como o astro oficial do cinema trash contemporâneo.
Do medo ao meme: como o terror virou comédia
Esses filmes, apesar de caricatos, revelam algo interessante sobre o imaginário coletivo. O medo de tubarões nunca desapareceu; ele apenas se transformou. Se nos anos 1970 o pavor vinha do invisível — da ameaça sugerida nas águas escuras de Spielberg —, no século XXI o medo cedeu espaço ao riso. O terror se misturou à sátira, e o tubarão, antes símbolo do perigo, virou metáfora da própria indústria cinematográfica, que consome suas ideias até o esgotamento.
O público também mudou. As gerações que cresceram com internet e memes encontraram nessas produções exageradas um tipo diferente de prazer: o do “filme ruim que é bom de assistir”. A experiência é coletiva, divertida, e muitas vezes irônica. Assistir a um Sharknado com amigos, rindo dos efeitos e das situações absurdas, virou um ritual pop — uma forma de celebrar o cinema pelo seu lado mais despretensioso.
O legado que Spielberg nunca imaginou
É curioso pensar que o mesmo filme que, em 1975, revolucionou o cinema e fundou o blockbuster moderno tenha inspirado tanto obras-primas quanto delírios cinematográficos. Spielberg, com sua câmera firme e sua trilha minimalista de John Williams, criou algo maior do que um clássico: um mito cultural. E, como todo mito, ele foi reinterpretado, distorcido e até ridicularizado — mas nunca esquecido.
No fim das contas, esses “filhotes bastardos” de Tubarão mantêm viva a criatura original, mesmo que de forma completamente oposta à intenção inicial. Eles provam que o cinema, em sua essência, é um oceano vasto, onde o sublime e o ridículo nadam lado a lado.
Quarenta e cinco anos depois, o tubarão que um dia aterrorizou o mundo agora faz rir — e talvez essa seja sua maior vingança. Porque, enquanto houver mar, câmeras e roteiristas sem limites, sempre haverá um novo tubarão pronto para atacar… ou fazer o público gargalhar.



