Em setembro, o lançamento de Wolf chamou a atenção dos cinéfilos e críticos de cinema por sua ousada proposta. Dirigido por Nathalie Biancheri, o filme narra a história de Jacob, um jovem que acredita ser um lobo preso no corpo de um humano, interpretado por George MacKay. Ao abordar questões como identidade, conformidade e aceitação, Wolf vai além de um drama psicológico típico. O longa mergulha no submundo das complexas interações entre mente e corpo.
A partir de uma trama intrigante e performances cativantes, o filme desperta reflexões sobre quem realmente somos, explorando a fronteira entre o humano e o animal. Nesse sentido, ao lado de MacKay, Lily-Rose Depp brilha como Wildcat, uma jovem que acredita ser um gato selvagem. Intensificando a atmosfera surreal e poética que permeia a narrativa.
O elenco e a direção de Biancheri
Um dos grandes pontos de destaque em Wolf é, sem dúvida, o elenco. George MacKay, já conhecido por seu papel em 1917 (2019), mergulha completamente na fisicalidade do personagem Jacob. Seus movimentos e expressões carregam uma inquietude primal que evoca a sensação de que ele está sempre à beira de se transformar. A vulnerabilidade do personagem ganha vida graças à atuação delicada e meticulosa de MacKay, que consegue transmitir tanto o sofrimento quanto o desejo de libertação.
Lily-Rose Depp, por sua vez, complementa essa dualidade ao trazer uma energia feral para Wildcat, cuja relação com Jacob é uma das poucas fontes de afeto e empatia no ambiente brutal da instituição onde estão internados. Paddy Considine também tem um papel importante como o diretor da clínica, conhecido como “Zookeeper”, cuja abordagem disciplinar e métodos questionáveis de tratamento adicionam camadas de tensão à história.
A diretora Nathalie Biancheri, conhecida por seu trabalho anterior no drama Nocturnal (2019), traz um olhar sensível para Wolf, explorando temas de identidade e disforia de maneira simbólica e visualmente impactante. A cineasta se desvia de narrativas convencionais para oferecer ao público uma experiência mais visceral e emocional, deixando muito espaço para interpretações.
De onde surgiu o roteiro de Wolf?
O roteiro de Wolf surgiu da fascinação de Biancheri pela mente humana e suas manifestações mais extremas. Ao estudar casos psicológicos reais, a diretora encontrou relatos de “especie-disfórica” — uma condição fictícia no filme, mas que reflete casos reais de pessoas que acreditam ser animais. Portanto, esse conceito serviu como ponto de partida para construir a trama, em que a busca por liberdade e autenticidade entra em conflito com os rígidos padrões sociais.
Biancheri também utilizou elementos da mitologia e do folclore para criar uma atmosfera quase mítica. A ideia de pessoas que se identificam como lobos ou outros animais tem raízes profundas na história da humanidade. Desde os mitos de lobisomens até relatos contemporâneos de licantropia psíquica. Sendo assim, a diretora entrelaça essas referências em uma trama moderna, que levanta questionamentos sobre as normas impostas pela sociedade e como as pessoas lidam com sua verdadeira natureza.
Licantropia psíquica: a crença em ser um lobo
A ideia de uma pessoa acreditar ser um lobo — ou mais especificamente, um lobisomem — remonta ao conceito de licantropia psíquica, uma condição psiquiátrica rara em que o indivíduo se convence de que pode se transformar em um animal, geralmente um lobo. Apesar de ser incomum, essa síndrome foi registrada na literatura médica e inspirou uma série de filmes e obras de ficção ao longo dos anos.
Em Wolf, essa condição é retratada de forma metafórica, com Jacob e outros personagens vivendo em uma instituição que trata essas “espécies-disfóricas”. Sendo assim, ao se identificarem mais com animais do que com seres humanos, esses indivíduos desafiam a linha tênue entre a sanidade e a loucura, questionando o que realmente significa ser humano.
Outros filmes que exploram a licantropia psíquica incluem Wer (2013), que aborda o julgamento de um homem acusado de ser um lobisomem, e Romasanta (2004), baseado na história real de Manuel Blanco Romasanta, um homem que acreditava ser um lobisomem e foi responsável por uma série de assassinatos no século XIX. Essas produções, assim como Wolf, investigam a profundidade das crenças e delírios humanos, oferecendo uma perspectiva sombria e intrigante sobre a psicologia humana.
O impacto de Wolf no gênero drama
Embora Wolf não tenha sido amplamente aclamado pela crítica, seu impacto é inegável, principalmente no gênero dramático. O filme é uma obra sensorial que desafia o público a abandonar suas expectativas narrativas e se concentrar na experiência visual e emocional. As atuações intensas e a direção contemplativa de Biancheri fazem de Wolf um filme que provoca e desconcerta, em vez de oferecer respostas fáceis.
No entanto, essa abordagem dividiu opiniões. Alguns críticos elogiaram a ousadia do filme e a capacidade de Biancheri de criar uma atmosfera opressiva. Ambiente onde os personagens são prisioneiros de suas próprias mentes e corpos. Outros, no entanto, acharam a narrativa confusa e demasiado simbólica, o que dificultou a conexão com o público mais amplo.
Mesmo assim, o filme encontrou seu público entre aqueles que apreciam narrativas mais abstratas e reflexivas. A representação da licantropia psíquica e da disforia de espécie também adiciona uma camada de profundidade à discussão contemporânea sobre identidade. Especialmente no contexto das crescentes conversas sobre identidade de gênero e a fluidez entre o ser humano e suas várias facetas.
O legado de Wolf no cinema contemporâneo
Embora Wolf possa não ter se tornado um blockbuster, sua contribuição para o cinema contemporâneo é significativa. Ao abordar temas como a licantropia psíquica e a natureza da identidade, o filme questiona as normas estabelecidas e propõe uma reflexão profunda sobre o que realmente nos define. Portanto, com performances marcantes e uma direção única, o filme tem o potencial de se tornar um cult entre os aficionados por dramas psicológicos e obras de cinema experimental.
Para o público que busca uma experiência diferente e intensa, Wolf oferece uma jornada sombria e introspectiva, que se distingue pela sua originalidade e ousadia. Biancheri, com sua sensibilidade artística, contribui para a discussão contemporânea sobre o que significa ser humano em um mundo que constantemente nos diz como devemos ser.