“A Substância”: entre a beleza e o abismo do entretenimento

O filme A Substância mergulha de cabeça nos subgêneros de sátira, body horror e surrealismo, gerando uma experiência cinematográfica desconfortável e perturbadora. A narrativa acompanha Elisabeth Sparkle (Demi Moore), uma apresentadora de TV que, ao ser descartada pela indústria devido à sua idade, recorre a uma substância misteriosa prometendo restaurar sua juventude e beleza. No entanto, essa droga cria uma versão mais jovem e idealizada dela mesma, chamada Sue (Margaret Qualley). Versão que rapidamente assume o lugar de Elisabeth no mundo da fama. Portanto, o filme explora a relação simbiótica entre as duas versões do mesmo corpo, mas, em vez de focar apenas na crítica à indústria da beleza, também lança uma reflexão sobre o desgaste emocional e psicológico da busca incessante pela perfeição.

Uma reflexão sobre a beleza e o poder de imagem

A história, à primeira vista, parece uma crítica direta ao culto à juventude e à beleza imposto pela sociedade e pela indústria do entretenimento. No entanto, ao longo do filme, essa crítica se torna mais complexa, levantando questões sobre a própria busca de Elisabeth por validação e aceitação. Em vez de uma simples condenação da indústria, o enredo coloca Elisabeth, uma mulher presa à sua aparência física, em conflito com sua versão mais jovem. Parecendo ser a representação do ideal de beleza moderno, mas que, paradoxalmente, também se torna vítima do mesmo sistema que a criou.

Demi Moore entrega uma performance visceral, conseguindo transmitir a dor de uma mulher que vê sua identidade destruída pela sociedade. Sua atuação vai de momentos de fragilidade emocional a explosões de raiva, criando uma personagem marcada por uma nostalgia amarga e por um ressentimento profundo. A cena em que ela retira e reaplica sua maquiagem diante do espelho se torna um dos pontos mais simbólicos e poderosos do filme. Representando a fragilidade e a busca incessante pela aparência perfeita. Enquanto isso, Margaret Qualley, como Sue, representa o ideal de perfeição física que a sociedade exige, mas também a escraviza a um padrão inalcançável e sufocante.

Técnicas visuais e sonoras que criam desconforto em A Substância

Em termos técnicos, A Substância se destaca por seu uso eficaz de design de som e efeitos visuais, criando uma experiência sensorial imersiva. O som é muitas vezes perturbador, com efeitos que invadem a percepção do público e aumentam a sensação de desconforto. A trilha sonora também é penetrante, intensificando a atmosfera inquietante do filme. Visualmente, o filme faz uso de cores fortes e closes exagerados que distorcem a percepção do público. Criando uma sensação de repulsa e visceralidade, intensificando a experiência de horror psicológico.

Contudo, a edição do filme, por vezes frenética, pode se tornar cansativa. Emulando filmes como Réquiem para um Sonho, a montagem provoca uma sensação de exaustão no espectador, deixando o filme em momentos excessivamente didático e repetitivo. Portanto, Isso pode afastar alguns, enquanto outros podem apreciar a natureza perturbadora dessa abordagem.

Sue é a versão aprimorada de Elizabeth Sparkle em A Substância.  (Foto: Divulgação/Mubi/Metropolitan Filmexport)
Sue é a versão aprimorada de Elizabeth Sparkle em A Substância. (Foto: Divulgação/Mubi/Metropolitan Filmexport)

O corpo como mercado: a obsessão pelo jovem ideal

A cineasta Coralie Fargeat não hesita em explorar o horror corporal de forma extrema, levando o conceito de body horror a seus limites. O ponto culminante do filme é a sequência final, onde o corpo de Elisabeth se degrada de forma grotesca. Refletindo a decadência não apenas física, mas também emocional e psicológica, que acompanha a busca pelo corpo perfeito. Nesse sentido, Fargeat explora o fascínio coletivo pela juventude e perfeição, enquanto expõe a crueldade do sistema que cria e perpetua esses valores. O resultado é um espetáculo visual, grotesco e divisivo, que ao mesmo tempo choca e provoca uma reflexão.

A crítica ao patriarcado e ao sistema de entretenimento

Em sua essência, A Substância vai além da simples crítica à indústria da beleza; ela reflete a profunda alienação das mulheres dentro do sistema patriarcal e da sociedade que as coloca em constante competição pela juventude eterna. Sendo assim, ao se submeter à substância, Elisabeth não só se vê afastada de sua própria identidade, mas também reflete sobre o quanto foi consumida pela imagem que o mundo exigia dela. A pressão para manter-se jovem e bonita em um ambiente altamente competitivo e machista como a indústria da TV destrói sua autoconfiança e seu sentido de valor.

A alegoria que o filme oferece é potente e direta: a beleza física, por mais que seja vendida como um passaporte para o sucesso e para a aceitação social, é apenas uma construção efêmera. O filme coloca em questão o preço que as mulheres, especialmente na indústria do entretenimento, têm que pagar para atender a esses padrões. Além disso, através de Elisabeth, o filme sugere que a obsessão pela juventude e pela perfeição é, na realidade, uma prisão que resulta em frustração e, eventualmente, em autodestruição.

Dennis Quaid e Demi Moore colecionam sucessos e polêmicas desde os anos 80. (Foto: Divulgação/Mubi/Metropolitan Filmexport)
Dennis Quaid e Demi Moore colecionam sucessos e polêmicas desde os anos 80. (Foto: Divulgação/Mubi/Metropolitan Filmexport)

A magia dos ícones dos anos 80 em A Substância

O elenco de A Substância é composto por dois ícones que marcaram a década de 80 com sua energia única e carisma inconfundível: Demi Moore e Dennis Quaid. Aqueles que cresceram assistindo aos filmes dessa época sabem que essa década foi fundamental para moldar o cinema que conhecemos hoje. A mistura de ação, aventura e comédia produziu alguns dos filmes mais inesquecíveis, muitos dos quais ainda são cultuados por fãs de todas as idades. E é exatamente essa nostalgia que A Substância traz à tona ao reunir dois desses atores amados, cujos nomes são associados a algumas das maiores produções dos anos 80.

Demi Moore e Dennis Quaid não são apenas rostos familiares para quem acompanhou a época, mas também intérpretes cuja química no set foi fundamental para o sucesso de seus personagens. Em A Substância, eles desempenham papéis que se distanciam um pouco de seus trabalhos anteriores, porém mantêm a essência que os tornou tão queridos. O que os distingue em seus novos papéis é a profundidade que conseguem trazer. Adicionando camadas emocionais aos seus personagens que vão muito além das expectativas. Portanto, a dinâmica entre eles, que remete aos velhos tempos de parceria em clássicos dos anos 80, é revitalizada, criando um equilíbrio perfeito entre nostalgia e inovação.

Nuances e parceria em cena de A Substância

Ao analisarmos seus personagens, fica claro que Demi Moore e Dennis Quaid trouxeram sua experiência para enriquecer A Substância. Nesse sentido, cada um adicionou nuances que, embora sutis, trazem complexidade a figuras inicialmente simples. A experiência e o amadurecimento dos atores permitem que seus personagens evoluam ao longo da narrativa, revelando camadas de vulnerabilidade e força. Além disso, o modo como eles se complementam na tela é um reflexo direto da parceria que construíram ao longo das década. Resultando em uma colaboração que deixa o público maravilhado e ansioso por mais.

O final surreal: o preço da perfeição

O desfecho do filme é surreal e perturbador. Quando Sue decide manter-se permanentemente no corpo jovem, sem considerar os efeitos devastadores sobre Elisabeth, ela acaba criando, sem querer, uma nova versão de si mesma: uma criatura grotesca e deformada chamada Elisasue. O caos que se segue culmina em uma cena final violenta e chocante. Onde a monstruosidade criada pela obsessão com a perfeição é exposta de maneira extrema. A crítica à sociedade voyeurista e obcecada pela imagem é inegável, deixando uma sensação de desconforto e reflexão profunda.

Em última análise, A Substância é uma obra provocativa, que não se limita a expor os problemas da sociedade com relação ao culto à beleza e juventude, mas também questiona o próprio papel do espectador nesse processo de adoração e consumo da imagem. Portanto, ao abraçar seu lado excêntrico e grotesco, o filme se torna uma experiência intensa e visceral, desafiando o público a refletir sobre o custo da perfeição e os limites do corpo humano.

Confira o trailer de A Substância

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Dani Gonçalves

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