A influência de “Psicose” e a dupla personalidade no cinema

Filmes como Vestida para Matar e A Cor da Noite não apenas homenageiam Psicose, mas também mostram como uma ideia pode ser reinterpretada de inúmeras maneiras

O cinema é repleto de marcos que redefinem a forma como histórias são contadas. Em 1960, Alfred Hitchcock revolucionou o suspense com Psicose, um filme que não apenas se destacou pela ousadia narrativa e técnica, mas também introduziu ao público um novo subgênero: o thriller psicológico de dupla personalidade.

Norman Bates, interpretado magistralmente por Anthony Perkins, tornou-se o arquétipo do protagonista atormentado por uma mente dividida entre sua identidade cotidiana e um alter ego criminoso. Sendo assim, esse conceito, que mistura traumas profundos com patologias mentais, abriu portas para inúmeras produções que beberam da mesma fonte.

Psicose redefiniu o cinema de terror e suspense ao introduzir uma narrativa complexa e um protagonista marcado por uma perturbação psicológica avassaladora. Nesse sentido, a história de Norman Bates, que assume a identidade de sua mãe após um surto psicótico, tornou-se um marco ao explorar a profundidade da mente humana e suas camadas obscuras.

Desde então, vários filmes beberam dessa fonte e recriaram a premissa de troca de identidade como consequência de traumas e distúrbios mentais. Entre eles, alguns se destacam: Não Adormeça (1982), Alta Tensão (2003) e Identidade (2003). Traçamos paralelos entre essas produções e o impacto que Psicose continua a exercer na sétima arte.

Exploraremos também outros filmes marcantes similares a Psicose, como Vestida para Matar (1980) e A Cor da Noite (1994), analisando a relevância desse subgênero para o cinema, suas influências, recepção crítica e popular, e até que ponto essas histórias refletem a realidade. Logicamente, que se você pretende assistir a esses títulos fica aqui o alerta de spoiler. Sendo assim, não leia, para não estragar a surpresa que todos esses filmes reservam no desfecho.

O impacto de Psicose e o início de uma nova era

Quando Hitchcock lançou Psicose, o mundo não estava preparado para a subversão das regras tradicionais do cinema de suspense. A trama, baseada no livro de Robert Bloch, inspirou-se vagamente nos crimes de Ed Gein, um assassino real cuja vida serviu de base para outros personagens icônicos, como Leatherface.
O que diferenciou Psicose foi sua abordagem psicológica. Norman Bates não era apenas um assassino; ele era uma vítima de seus próprios demônios. Sua relação simbiótica e doentia com a figura materna o levou a criar uma segunda personalidade para preencher o vazio deixado por sua mãe morta. Essa complexidade atraiu a atenção tanto do público quanto da crítica, tornando o filme um fenômeno cultural.

Filmes diretamente inspirados em Psicose

Após o sucesso de Psicose, cineastas começaram a explorar o conceito de dupla personalidade em suas próprias narrativas. Dois exemplos notáveis são Vestida para Matar e A Cor da Noite.

A personagem de Angie Dickinson em Vestida Para Matar tem o mesmo fim trágico de Marion, em Psicose. (Foto: Filmways/Divulgação)
A personagem de Angie Dickinson em Vestida Para Matar tem o mesmo fim trágico de Marion, em Psicose. (Foto: Filmways/Divulgação)

Vestida para Matar (1980)

Dirigido por Brian De Palma, Vestida para Matar é muitas vezes visto como uma homenagem direta a Hitchcock. A trama gira em torno de um psicólogo cuja mente fragmentada dá origem a uma persona assassina. Com uma estética sofisticada e cenas carregadas de tensão, o filme trouxe o conceito de dupla personalidade para a era moderna, misturando mistério, erotismo e violência.

A relação entre Psicose (1960) e Vestida Para Matar (1980) é um dos exemplos mais claros da influência de Alfred Hitchcock sobre Brian De Palma. Nesse sentido, De Palma nunca escondeu sua admiração pelo mestre do suspense, e Vestida Para Matar funciona quase como uma carta de amor a Psicose. Ambos os filmes exploram distúrbios psicológicos que levam à troca de identidade e culminam em assassinatos brutais. No entanto, o elo mais evidente entre as duas obras está em suas cenas mais icônicas: o assassinato no chuveiro em Psicose e o ataque no elevador em Vestida Para Matar.

Em Psicose, a sequência no chuveiro é revolucionária por sua montagem frenética, que usa cortes rápidos e closes para criar uma atmosfera de pavor. Já em Vestida Para Matar, De Palma presta uma homenagem direta a essa cena, recriando a tensão em um ambiente claustrofóbico: o elevador. Nesse sentido, ambas as sequências utilizam espaços restritos para amplificar o horror, transformando locais cotidianos em palcos de terror.

Além disso, as duas cenas são os pontos de virada das histórias. Em Psicose, a morte de Marion Crane surpreende ao eliminar a aparente protagonista, enquanto em Vestida Para Matar, o assassinato de Kate Miller muda completamente o rumo da narrativa. Essa construção de surpresa, aliada à maestria técnica, torna ambas as cenas emblemáticas. Portanto, a inspiração declarada de De Palma não apenas presta tributo a Hitchcock, mas também reforça o impacto atemporal de Psicose no cinema de suspense e terror.

A Cor da Noite (1994)

Já em A Cor da Noite, Bruce Willis interpreta um psicólogo que investiga uma série de assassinatos enquanto se envolve romanticamente com uma de suas pacientes, vivida por Jane March. O filme também explora os limites entre identidade e trauma, mostrando como a mente humana pode criar realidades alternativas para proteger-se de experiências dolorosas. Apesar das críticas mistas na época do lançamento, A Cor da Noite tornou-se um exemplo de como o subgênero se adaptou às demandas do público nos anos 90.

A fascinação por histórias de dupla personalidade

O subgênero de dupla personalidade permanece fascinante porque mergulha em territórios desconhecidos da mente humana. Sendo assim, ele coloca em evidência os conflitos internos que todos, em algum nível, vivenciam, mas amplifica isso a um ponto extremo.

Base na realidade ou pura ficção?

Muitos filmes inspirados em Psicose afirmam ter elementos baseados em casos reais, como o de Ed Gein. No entanto, a ideia de uma “dupla personalidade” no sentido hollywoodiano é frequentemente uma dramatização. Na psiquiatria, transtornos dissociativos, como o transtorno dissociativo de identidade (TDI), existem, mas são raros e muito mais complexos do que os retratos simplificados vistos no cinema.

Embora as histórias usem a ciência como base, o objetivo é sempre o entretenimento, muitas vezes sacrificando a precisão em favor da narrativa.

A influência de Psicose no cinema

O impacto de Psicose é inegável. Filmes como O Silêncio dos Inocentes (1991), Clube da Luta (1999) e até mesmo Cisne Negro (2010) carregam traços dessa herança. A ideia de que um personagem pode esconder um lado sombrio sob uma fachada aparentemente normal cria um tipo de suspense único que ressoa profundamente com o público.

Além disso, Psicose influenciou não apenas o conteúdo, mas também a forma como os filmes são feitos. A famosa cena do chuveiro, por exemplo, com seus cortes rápidos e ausência de música, foi revolucionária e é estudada até hoje como um exemplo de narrativa visual.

Outros títulos com protagonistas similares a Normam Bates

Não Adormeça (1982): um retrato de trauma e obsessão

Dirigido por Richard Lang, Não Adormeça (Don’t Go to Sleep) é um exemplo perfeito de como traumas familiares podem desencadear comportamentos psicóticos e a troca de identidade. A história gira em torno de Mary, uma adolescente que vive atormentada pela morte da irmã mais nova, Jennifer. O sentimento de culpa e a incapacidade de lidar com a perda a levam a adotar a identidade da irmã falecida. Sob essa nova persona, Mary comete uma série de assassinatos contra os próprios membros da família.

O filme resgata o elemento central de Psicose: o peso emocional de um vínculo familiar disfuncional. Assim como Norman Bates é moldado pela relação conturbada com a mãe, Mary também é refém de um trauma que a consome. O surto psicótico que leva Mary a matar é a expressão de uma mente que encontra no desequilíbrio uma forma de enfrentamento à realidade. Além disso, Não Adormeça trabalha com a tensão crescente e as revelações chocantes, características que remetem diretamente à narrativa de Hitchcock.

O enredo de Não Adormeça é o mesmo de Psicose, contrariando a tese de grande parte do público. (Foto: Warner Bros./ Divulgação)
O enredo de Não Adormeça é o mesmo de Psicose, contrariando a tese de grande parte do público. (Foto: Warner Bros./ Divulgação)

Alta Tensão (2003): O Novo Extremismo Francês e a psicose de identidade

Parte do movimento conhecido como Novo Extremismo Francês, Alta Tensão (Haute Tension), dirigido por Alexandre Aja, é um thriller brutal que combina violência gráfica e reviravoltas psicológicas. A trama acompanha Marie e Alex, duas amigas que viajam para a casa da família de Alex no interior da França. Durante a noite, a casa é invadida por um caminhoneiro homicida que inicia um massacre. Contudo, a grande reviravolta do filme revela que Marie, a protagonista, sofre de um surto psicótico e, na verdade, é ela quem comete os crimes, acreditando ser o próprio assassino.

Essa troca de identidade é um dos pontos mais marcantes do filme, conectando-o diretamente ao legado de Psicose. Assim como Norman Bates alterna entre ser ele mesmo e sua mãe, Marie vive um estado de dissociação onde sua persona se transforma em um assassino brutal. Aja utiliza essa dualidade para explorar os limites da mente humana e a linha tênue entre sanidade e loucura. Nesse sentido, a brutalidade explícita de Alta Tensão intensifica a experiência emocional do público, enquanto a narrativa instiga reflexões sobre os mecanismos psicológicos que levam a atos violentos.

Identidade (2003): um enigma de múltiplas personalidades

Dirigido por James Mangold, Identidade (Identity) é um thriller psicológico que se destaca por sua abordagem única ao tema de múltiplas personalidades e crimes brutais. A trama se passa em um motel isolado, onde dez estranhos ficam presos durante uma tempestade. Nesse sentido, à medida que os personagens começam a ser assassinados um a um, a tensão aumenta e revela-se que todos eles são, na verdade, diferentes personalidades de um único indivíduo, Malcolm Rivers, que está em julgamento por assassinato.

O filme é uma homenagem direta ao legado de Psicose. Assim como Norman Bates, Malcolm sofre de transtorno dissociativo de identidade, onde suas diferentes personas entram em conflito, resultando em atos de violência. Contudo, o roteiro brinca com a percepção do público, alternando entre a realidade objetiva e o mundo interno de Malcolm. Portanto, o conceito de uma “batalha interna” entre personalidades reflete a ideia central de Psicose: o confronto com os próprios demônios interiores.

Paralelos Entre Psicose e Esses Filmes

Hitchcock abriu as portas para um novo tipo de narrativa ao focar no estado psicológico do protagonista em Psicose. O uso da troca de identidade como metáfora para a fragilidade mental tornou-se um recurso rico para cineastas explorarem histórias de mistério, horror e drama.

Trauma como Gatilho: Tanto Mary (Não Adormeça) quanto Norman (Psicose) compartilham a dor de uma perda familiar que desencadeia a ruptura de suas psiques.
Dissociação e Violência: A dualidade de Marie em Alta Tensão e a multiplicidade de Malcolm em Identidade ampliam a ideia da dissociação explorada em Psicose.
Narrativas com Reviravoltas: A estrutura de revelações inesperadas e a manipulação da percepção do público são estratégias narrativas que todos esses filmes compartilham com o clássico de Hitchcock.


Normam Bates e Mary tem a mesma reação ao encontrar o corpo. Coincidência? (Foto: Divulgação/Paramount/LionsGate)
Normam Bates e Mary tem a mesma reação ao encontrar o corpo. Coincidência? (Foto: Divulgação/Paramount/LionsGate)

Recepção crítica e popular

Filmes desse subgênero frequentemente dividem a crítica. Por um lado, são elogiados por explorar temas profundos e provocar reflexões sobre a natureza humana. Por outro, podem ser acusados de sensacionalismo ou de simplificar questões psicológicas complexas.

O público, no entanto, costuma receber essas histórias com entusiasmo. Elas oferecem uma combinação irresistível de mistério, terror e introspecção. Nesse sentido, o sucesso contínuo de filmes e séries baseados em conceitos semelhantes, como Bates Motel (2013-2017), mostra que a fórmula ainda funciona.

O jogo de engano: quando o telespectador também é vítima

Uma das características mais marcantes do subgênero inaugurado por Psicose é a habilidade de enganar o telespectador até os minutos finais. Assim como os personagens principais desses filmes acreditam ser duas pessoas distintas, o roteiro constrói cuidadosamente uma narrativa que faz o público compartilhar dessa mesma ilusão. Esse truque narrativo é essencial para manter a tensão e a surpresa, culminando em reviravoltas que redefinem a percepção do espectador sobre a história.

Em Psicose, quem poderia imaginar que Norman Bates era, ao mesmo tempo, a vítima assustada e o assassino implacável? O roteiro faz com que o público acredite que “a mãe” é a verdadeira culpada, criando uma atmosfera de mistério. O choque da revelação – de que Norman se traveste e incorpora a personalidade da mãe morta – é o que torna o desfecho tão impactante.

Essa mesma estrutura é replicada com maestria em filmes como Alta Tensão e Identidade. Em ambos, o público é levado a acreditar que o assassino é uma entidade separada, apenas para descobrir que tudo é fruto da mente perturbada do protagonista. Nesse sentido, a surpresa está em desconstruir a realidade construída ao longo da trama, revelando que o verdadeiro culpado esteve presente o tempo todo, escondido sob outra persona.

Esse jogo entre o roteiro e o público é o coração desse subgênero. Ele explora não apenas os limites da mente dos personagens, mas também a predisposição do público em aceitar narrativas lineares. Portanto, quando a verdade finalmente vem à tona, a surpresa é inevitável – e é isso que mantém esses filmes tão memoráveis e conectados ao legado de Psicose.

Bruce Willis e Jane March tentam desvendar quem é o assassino psicótico de A Cor da Noite. (Foto: Hollywood Pictures/Divulgação)
Bruce Willis e Jane March tentam desvendar quem é o assassino psicótico de A Cor da Noite. (Foto: Hollywood Pictures/Divulgação)

As referências que tornaram o subgênero tão impactante

Os elementos que tornam esses filmes inesquecíveis são as narrativas densas, os personagens tridimensionais e os finais surpreendentes. Psicose estabeleceu um padrão alto, mas cineastas como De Palma, Jonathan Demme e Darren Aronofsky expandiram os limites do subgênero.

A música também desempenha um papel crucial. Sendo assim, a trilha sonora de Bernard Herrmann em Psicose, por exemplo, tornou-se icônica e ajudou a construir a tensão que permeia o filme.

A influência no cinema moderno

O subgênero de dupla personalidade continua a inspirar cineastas. Com o avanço da psicologia e da neurociência, roteiristas têm novas ferramentas para criar personagens ainda mais complexos. Portanto, filmes como Fragmentado (2016), de M. Night Shyamalan, mostram que o público ainda está ávido por histórias que exploram as camadas da mente humana.

O legado de Psicose no cinema moderno

Psicose é mais do que um simples filme de suspense; é um estudo da mente humana e de seus limites. Nesse sentido, o impacto do filme pode ser sentido não apenas nos exemplos mencionados, mas também em uma infinidade de produções que buscam explorar as complexidades psicológicas dos personagens.

Filmes como Não Adormeça, Alta Tensão e Identidade não apenas homenageiam Psicose como referência, mas também expandem suas ideias, trazendo novas perspectivas para o tema da troca de identidade em meio a surtos psicóticos. Cada um, à sua maneira, reflete o quão poderosa e assustadora pode ser a mente humana, um terreno fértil para o cinema de suspense e terror.

Com isso, fica evidente que o legado de Psicose transcende gerações, continuando a inspirar cineastas a mergulhar nas profundezas do comportamento humano e criar histórias que deixam o público atônito. Afinal, a verdadeira essência do horror não está apenas nas ações dos personagens, mas nos mistérios que habitam suas mentes.

O legado de Psicose vai muito além de sua época. Ele estabeleceu um subgênero que continua a cativar audiências e a desafiar cineastas. Seja através de tramas que exploram a dualidade da mente humana ou da evolução técnica e narrativa que Hitchcock introduziu, o impacto desse clássico é eterno.

Filmes como Vestida para Matar e A Cor da Noite não apenas homenageiam Psicose, mas também mostram como uma ideia pode ser reinterpretada de inúmeras maneiras, refletindo os medos e fascínios de cada época.

A dualidade entre bem e mal, lucidez e loucura, permanece um terreno fértil para o cinema, reafirmando que o verdadeiro terror muitas vezes não está lá fora, mas dentro de nós mesmos.

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Diego Almeida
Diego Almeida

Formado em Publicidade e pós graduado em Artes visuais. Admirador da cultura pop no geral, com objetivo em viajar por toda Europa em 1 mês apenas.

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